11 de fevereiro de 2012

Irina Maverick

- Então, lá estava eu naquele belo fim de tarde, cuidando da minha vida, como sempre, e um pouquinho também da vida dos outros. De repente, do meio das hortênsias da minha tia, saiu um daqueles hediondos mortos-vivos!...

- Esperer aí! – interrompeu o taverneiro, do outro lado do balcão. – Eu só perguntei o que uma pequena halfling como você está fazendo numa cidade como esta. Essa não vai ser uma daquelas mirabolantes histórias de bêbado, vai?

- Eu não estou bêbada. Ainda! – enfatizou a pequena e rechonchuda halfling, ajeitando-se no banquinho alto para alcançar a cerveja que Jão, o taverneiro, havia lhe dado. – E façamos um trato: se esta história for a mais divertida que você ouvir a noite inteira, eu não pago a conta!

- Você está tentando passar a perna em quem?

Jão apontou para a taverna vazia, à exceção da halfling e dele mesmo. A halfling olhou em volta, então encolheu os ombros e fez um pequeno charme, balançando seus cachos ruivos.

- Bem, quem não chora não mama. De qualquer forma, já que você não tem mais ninguém pra servir, vou contar a minha história.

“Lá estava eu quando apareceu aquela coisa asquerosa! Eu saí correndo, e vi meus primos saírem da casa aos berros e segurando pedaços de madeira sujos de vermelho e preto. Acho que eram as pernas da mesa de jantar, mas foi tudo tão rápido que não tenho certeza. Eles disseram que os mortos estavam invadindo pelo jardim e que tínhamos que sair da cidade o mais rápido possível. Então corremos até a casa do Velho Gil. Ninguém gostava muito dele, mas ele tinha muitos pôneis. Não encontramos ele no caminho, mas com certeza ele não se negaria a nos emprestar seus animais num ataque zumbi.

- Não, claro que não. Ainda mais sendo um cara tão popular.

- Bem, dizem que as tragédias tem a capacidade de tornar as pessoas mais unidas, mais solidárias. Eu e meus primos tínhamos a crença sólida de que bem no fundo o Velho Gil era uma alma caridosa. De qualquer forma, na época do ataque eu era menor do que sou hoje, deixei todo o plano de fuga por conta deles.

“Ainda demos uma volta pela cidade para tentar achar o resto da família. Minha mãe, meu pai, meus irmãos e irmãs conseguiram uma carroça pra eles e prendemos dois pôneis nela. Meus outros primos arranjaram seus próprios métodos de fuga. Foi então que meus primos falaram que a mãe deles estava na casa quando os mortos apareceram, e eles na rua. Só o que puderam fazer foi matar novamente a criatura, mas já era tarde. Foi uma viagem bem triste a daquela noite.

“Eu me senti bem mal em deixar a cidade, mesmo não gostando muito dela. Eu costumava dizer que era um lugar meio morto; como criança, nunca achei que as minhas palavras iam se tornar realidade um dia.

“Todos fugiram para a vila mais próxima. Como os zumbis andam bem mais devagar do que pôneis, lá deu tempo de fortificar e proteger a cidade antes que eles chegassem. Mas são poucos os halflings que se dispõem a lutar, e menos ainda são aqueles que lutam bem, por isso demorou algumas semanas até eliminarmos todos os mortos-vivos. Para a nossa sorte, não havia nenhum muito esperto no meio deles. Acho que estavam apenas andando em linha reta atrás de comida.

- É realmente uma tragédia o que aconteceu à sua cidade – disse o taverneiro, enchendo novamente o caneco dela de cerveja. Dessa vez, da boa. – Mas isso ainda não explica o que a senhorita está fazendo aqui em Dorfmark.

- Calma, estou quase chegando lá! Não se pode por a carroça na frente dos burros, e uma boa história precisa de começo, meio e pelo menos o começo de um fim.

“Então começamos a viver em Gipfel. Ainda ficava muito perto da fronteira com Silvania, mas apesar do perigo de passar por outro ataque daqueles, minha família resolveu ficar. No final das contas, depois que você se acostuma, zumbis são tão ruim quanto orcs e goblins, com a diferença que já estão mortos quando você os mata. Meus primos – aqueles que perdeam a mãe – se juntaram aos poucos halflings que tinham coragem de defender a fronteira do Contestado [tradução aproximada de “Moot”]. Quando eu tive idade pra cuidar de mim mesma, meus primos me chamaram pra lutar ao lado deles, mas eu achei melhor não. Veja bem, eu gosto de um boa aventura e de lugares mais agitados, mas eu não preciso necessariamente estar no meio da aventura. Eu prefiro observar as coisas de longe, sabe como?

- Entendo perfeitamente! – o taverneiro puxou um copo de cerveja para si, sentando para ouvir calmamente o final da história. Ou o começo do final, como a própria halfling havia dito.

- Então foi aí que o destino começou a me empurrar para Dorfmark! Eu fui até a cidade humana mais próxima, mas também era uma vila tão pequena como as vilas do Contestado, só que com casas mais altas e pra fora da terra. Se fosse para ver vaquinhas pastando, eu tinha continuado na casa dos meus pais. Assim que consegui juntar um dinheirinho, fui pra capital de Talabecland. Devo dizer, fiquei impressionada!

“Infelizmente, arranjei algumas inimizades por lá. Me meti no tipo errado de aventura, se é que você me entende. E, como eu disse, prefiro ficar longe desse tipo aventura. Ainda mais quando há tantos maus perdedores envolvidos. Só digo uma coisa: existem pessoas muito incompreensivas nas mesas de jogos de Talabheim.

- Sim, entendo perfeitamente... E mesmo preferindo ficar perto, mas fora das “aventuras”, você veio parar aqui, numa vila sem graça no meio da Floresta das Sombras?

- Sim, cá estou eu, em Dorfmark! Ouvi dizer que é uma cidade que está crescendo bem rápido por causa da madeira. Justamente por ser uma região sombria e com tantos forasteiros vindo à procura de novas oportunidades, imaginei que aconteceriam muitas coisas interessantes por aqui. Vejo que hoje foi um dia de pouco movimento, mas, me diga, quantos forasteiros você costuma atender por dia?

Jão olhou a halfling de cima à baixo e respondeu em tom zombeteiro: - Meio.